O Julian Nagelsmann deu uma potentosa entrevista à revista Kicker em Maio de 20191. As suas melhores ideias não tem prazo e, como não podiam ficar perdidas no alemão, resolvi traduzi-las e fazer algumas observações pertinentes. Sejam servidos.
O líder e a liderança
Não vou ser autoritário (sobre a chegada ao Leipzig). Não sou esse tipo de pessoa. Não me sinto confortável dessa forma, mas quanto mais tempo trabalhas com uma equipa, mais tens de adaptar e restringir, porque muitas coisas começam a ser normalidade."
Isto parece um contra-senso com a forma como muitos veem a posição de um líder. Principalmente, o restringir à posteriori. Então mas não se perde o balneário dessa forma? É só entrando a "matar" ou à "disciplinador" que se é líder?
"Não podes dizer tudo o que te vai na cabeça. Apesar de quereres o melhor para eles, tens de ter cuidado. Ser afável e aberto não é ao gosto de todos. Eu continuo a agir dessa forma, mas não com todos os jogadores."
A importância de seres tu próprio, mas dar a cada um a face que provavelmente lhes leva a dar o seu melhor. Como diz o Guardiola, com uns há que os levar a jantar fora e a outros...
A gestão das expectativas
"Se usares as tuas expectativas como medida do sucesso, vais acabar sempre desapontado. Tu tens certos valores que acabas por projetar nas outras pessoas."
Isto é um dos pontos que mais me atingiu na entrevista.
Na pouca experiência que tenho de treinador, é o choque de frente com os diferentes valores com que cada um se apresenta dentro da equipa, que afinal há outros que querem outras coisas, ou que querem as mesmas coisas, mas chegar lá de forma diferente.
"Eu espero muito. Uma estrutura bem definida no campo, o que já é exigente mentalmente e nada fácil de ensinar. São muitas reuniões com muito conteúdo. Em alguns momentos os jogadores já ficam malucos."
Isto parece-me o assumir de uma vês por todas da profissionalização do jogador de futebol. Adulto e com um cérebro. Se eu gosto de reuniões de mais de 45'? Não. Se é essencial para o meu ganha pão? São. Então siga! E ouvidos e olhinhos bem abertos!
"O Futebol é um desporto que influencia as massas. Temos a obrigação de manter o jogo atrativo. É isso que o Hoffenheim representa. O nosso futebol é corajoso e inspirador."
Pinceladas a fazer lembrar o César Luis Menotti. O sairmos um bocadinho da nossa casca e pensar na razão de existir deste jogo, e mais, no porquê que nos apaixonamos ao ponto de ir lá parar ao banco como treinador.
A análise tática
(sobre os problemas defensivos) "Acho que é uma questão da escolha de jogadores. Não temos muitos jogadores puramente defensivos, que adoram defender com todo o seu coração."
Não sei se concordo que terá vindo daqui os problemas defensivos, mas se calhar até gosto da explicação dos jogadores com mais ou menos ADN para defender/atacar.
"Também houve razões táticas para os golos sofridos. Porque saímos em construção para atrair adversários é normal que estejam muitos no nosso meio campo defensivo, mantendo nós a superioridade numérica. Ou seja, boas condições de prevenir o contra-ataque. Mas quando não fazemos bem o contra-pressing, o adversário, automaticamente, fica em posse em zonas altas do terreno e com muitos jogadores, e isso é difícil de anular."
Adoro este pormenor. O Nagelsmann quase que dá a solução para os medos de muitos com o sair a construir de forma apoiada, estando na forma como abordamos o momento em que perdemos a bola nessa "fase de risco". O playmaker do Klopp não joga só no meio campo ofensivo.
A ideia é uma, mas os sistemas mudam
(sobre as mudanças constantes de sistema) "Via isso como uma vantagem porque tornava a preparação mais difícil para os adversários. A partir do momento em que eles se adaptaram também ficou mais difícil para nós."
O Abel Ferreira fala constantemente do jogo do Braga em Hoffenheim como o que lhe deu mais prazer jogar. As constantes alterações táticas durante o jogo, como se fosse uma partida de xadrez é o prato do dia para os alemães, mas é algo que representa um marco "antes e depois" para o Abel.
(as críticas do Kramaric) "Talvez ele sentisse que as mudanças causaram os problemas, mas a verdade é que se há mudanças é porque se calhar os problemas já lá estão. Os adversários mudam mais e isso leva a que nós tenhamos de também efetuar mais mudanças. É algo com que o Kramaric iria ter de lidar mesmo que noutro lado. Durante muito tempo tínhamos esse poder, de alterar e melhorar em consequência, mas recentemente já não acontece tanto."
A ideia que fica é que o Nagelsmann provoca alterações na sua equipa durante o jogo que nunca foram treinadas antes, ou pelo menos ao ponto dos jogadores não se sentirem perdidos no campo. Está a jogar um jogo, e se a melhor resposta é algo de novo, porquê ficar amarrado?
"Nunca mudamos a nossa filosofia, mas apenas pequenos detalhes. Por exemplo como conseguir melhores acessos para pressionar."
Conheces o Hoffenheim ao longe porque é uma equipa que pressiona o adversário para jogar, e não porque pressiona sempre da mesma forma, na mesma zona, com as mesmas referências. Identidade e Estratégia.
"Não há grande diferença entre jogares a 10 e marcares o 6, ou jogares a 8 e pressionares o lateral adversário. Isto não é pedir muito. Não somos o Bayern, que tem qualidade individual para fazer sempre a mesma coisa e ganhar. Os princípios mantêm-se sempre. Não ando a mudar porque me apetece. Se o adversário muda de 3 centrais para uma linha de 4 tens de lidar com problemas do tipo "quem é que defende as subidas do lateral?"
Eu percebo que os problemas aparecem e as respostas tem de ser dadas, mas não é assim tão simples. O excelente livro 'Thinking, Fast & Slow' fala-nos disso: mudar o tipo de receita que usas para resolver um problema em situações de pressão temporal é das tarefas mais exigentes a nível mental.
(sobre o sistema no Leipzig) "Prefiro manter um sistema e aperfeiçoa-lo, mas no futebol os automatismos são das coisas mais difíceis de obter, porque são muitos jogadores num espaço muito grande. Não pode haver grandes automatismos se queres ganhar bolas em zonas vantajosas."
Se pensarmos no pressing como uma ideia de reação então não pode haver lugar para automatismos porque não está dentro do nosso controlo definir em que momento o adversário me vai dar essa oportunidade. Referências e princípios já são outra coisa, já não são a receita.
Uma coisa é querermos fazer uma sobremesa e levamos a receita do pão-de-ló dos treinos para o jogo. No jogo o adversário não nos dá farinha. Resultado: não há bolo. Podíamos até ter feito uns ovos moles com o açúcar e os ovos, mas para isso era preciso princípios.
O modelo de treino
(a evolução nos treinos) "No início tive de fazer muitos exercícios pequenos para interiorizarem os princípios. Uma vez esses estejam adquiridos, passei para espaços maiores e para padrões táticos. Depende sempre da predisposição dos jogadores para aprender."
Princípio da progressão complexa? Reduzir espaço e número de jogadores, em condições normais, simplificam os problemas a resolver, e talvez por aí seja o ideal começar na entrada num novo clube, quando se trazem ideias diferentes das do anterior treinador.
O desafio também se torna maior, conseguir fracionar todos os princípios para esse nível, mantendo a mesma lógica que existia no todo, criando as situações/propensões que continuem a fazer sentido.
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Baseado nesta minha thread no Twitter.
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